Todo mundo ja percebeu que eu sou uma mae corujissima, mas ca entre nos, tenho muitas razoes. Minha pequena princesa ja passou para o segundo ano regular da escola, acreditam? Pois é, segundo a Comission Scolaire de Laval, os filhos de imigrantes tem direito de até 18 meses na classe d'accueil. No entanto, minha petite ficou apenas de abril a julho... No verao coloquei os dois no camp de jour como ja contei aqui. La eles aperfeiçoaram muito o frances, deslancharam mesmo. Na volta as aulas, ela deveria voltar para a classe d'acueil, mas em um nivel um pouco diferenciado. Como eu sei que uma boa parte de meu publico leitor é composto de maes e pais de futuros nouveaux-québecois, vou explicar melhor. É assim: quando chega uma criança imigrante ela tem direito de começar as aulas o mais cedo possivel. Lembrem que aqui o Estado é o principal responsavel pelas crianças, assim ele tem que fazer a sua parte disponibilizando logo uma vaga para o recém-chegado. Assim, existem turmas de accueil que recebem alunos o ano todo, a qualquer tempo. Sao grupos abertos. Os meus filhos, quando chegaram entraram num destes. Eram 22 crianças (eu acho, mas até o fim devem ter sido mais), numa mesma sala, com duas professoras que as dividiam em duas mesas, uma para aqueles até 7 anos e outra para os de 8 a 12 anos. Nessa classe o principal era a aprendizagem do frances, embora até fizessem uns que outros exercicios de matematica. Agora, no novo ano escolar que começou em agosto, os meus continuariam na classe d'accuel, mas diferente... É que como é um novo ano eles foram divididos por idade e de acordo com o nivel de frances ja atingido até agora. Assim, eles além do frances, começam a preparar as outras matérias também para que a entrada na classe regular seja o menos traumatica possivel. Quando eles vao para a classe regular, sao inseridos no grupo de sua idade atual. Isso quer dizer que o Pedro vai para a quarta serie ano que vem e a Giu para a segunda. Eles ficam na mesma serie que estariam se estivessem no Brasil, so tendo que levar em conta a diferença do calendario escolar. Bom, mas o que eu quero contar é que, quando começaram as aulas tive uma reuniao com a profe da Giu e ela me perguntou como era o nivel de frances escrito e falado da Giu. Eu me virei pra pitoca e falei em frances com ela, ela me respondeu super bem. A profe arregalou os olhos. Entao eu pedi, em frances, pra ela escrever uma palavra no quadro negro, qualquer palavra francesa. Ai a fofa arrasou!!! Voces acreditam que ela escreveu ' papillon'? Eu quase chorei de emoçao! Tudo bem que eu sou meio exagerada, mas estou falando de uma criancinha de sete anos que mal tinha sido alfabetizada em sua lingua materna e que, sete meses depois de entrar em contato com uma lingua absolutamente diferente, escreve ' papillon'. Papillon era o que eu queria ser para sair voando de alegria! A profe ficou abismada, e so repetia' Elle a écrit papillon!!!!' Passado o susto, ela ja me adiantou que a Giulia certamente estaria pronta para a escola normal, mas que ela faria algumas avaliaçoes em aula para encaminha-la o mais rapido possivel. Algumas semanas depois acharam uma vaga na segunda serie de uma escola no bairro vizinho e mandaram ela pra la. O engraçado é que, de cara, ela nao curtiu muito. Nao queria se separar das amigas (recém-feitas diga-se de passagem), do irmao, da rotina que ha pouco tempo ela estava conhecendo. Quase morri de pena! Ela se abraçou em mim e soluçou como que dizendo: mamae, esse é meu premio pelo meu esforço? Me afastar de tudo que acabei de obter nessa terra nova pra onde tu me carregou? Também chorei. Entendi o sofrimeno dela, mas felizmente durou pouco. Na nova escola ela tem um... professor... Isso mesmo. Diferente, né? Ja tive uma reuniao com o cara e gostei muito dele.Legal iso de professores homens, pelo menos eles nao tem TPM....hehehe Ela esta adorando e o frances vai que vai, agora que todos os colegas ou sao nascidos aqui ou vieram bebezinhos. E ta la a minha pequena. Enfrentando tudo de cabeça erguida. Um verdadeiro exemplo para os nouveaux-arrivants. O Pedro vai ficar mais um pouco na classe d'accueil. Quanto mais adiantada a criança esta na escola, mais tempo ela vai precisar para se familiarizar com todos os conteudos programaticos. Normal. Ele esta começando a estudar matematica mais a fundo além do frances. Quarta serie, tem mais trampo! Na verdade nunca tive pressa de lhes integrar na classe regular. Acho que tudo tem seu tempo e se a Giu ficasse até o ano que vem, eu tava era achando bem bom. A imigraçao ja é muita mudança em um ano so. Mas paciencia! O importante é que ela esta adorando e o Pedrao bem feliz com seus amigos, sua profe e suas liçoes de tabuada. Esses dias estava me dando conta que meus filhos sao bilingues! Coisa chique! Mas no fundo, no fundo, uma parte dessa minha corujisse é um mecanismo de defesa contra a minha culpa. Nao tem como nao sentir uma culpinha de vez em quando por ter desterrado os pobrezinhos. Bem ou mal eu nasci e cresci no meu pais, eu tenho a identidade brasileira e embora nao goste de futebol, adoro samba, feijoada, caipirinha, sol... sei la. Sera que os meus tatus vao ter a identidade brasileira, ainda que ela seja cultivada aqui em casa? Sera que vao ser québecois pure laine? Sera que vao ter conflitos de identidade na... adolescencia... AAARRRGGGHHHH!!!! Eu espero que nao! Sao tantas coisas que eu fico pensando! Filhos sao mesmo a maior fonte de prazer e preocupaçao que alguém pode ter... (Desculpa ai, viu maezinha! Agora entendi!) A nossa vontade que eles sejam felizes é tao grande que chega a doer no peito! Por outro lado, se eu tivesse ficado no Brasil, nao poderia ter dado o maior exemplo que eu espero que eles tenham. O exemplo de alguém que é capaz de perseguir seus sonhos (mesmo morrendo de medo), que enfrenta a vida de frente, que tem coragem, que arrisca... E nao de alguém que quer fazer as coisas e fica metendo milhoes de empecilhos comodistas pra depois ficar se queixando e culpando o mundo quando suas decisoes nao sao acertadas. Ou que inventa milhoes de responsaveis pelas suas frustraçoes. Pelo menos eles vao saber que os pais deles assumem de corpo e alma suas decisoes e as consequencias advindas delas. No fundo, acho que isso é o que eu mais desejo para eles: que eles se sintam livres para perseguir seus sonhos. Agora, se por acaso alguma coisa nao der certo, ja me preveni, entrei numa comunidade no orkut chamada: 'Se tudo der errado viro hippie'. Ah, eu viro!