Sunday, September 02, 2007

Rituais

Sabado, 19h. Banhos tomados, pijamas colocados, começa a movimentaçao chez les orsis. Movimentaçao em direçao ao meu quarto, bem entendido. Eu ja coloquei meu camisetao de piu-piu e estou ajeitando os travesseiros. Me preparo para me 'abundar' até domingo. É bom estar aqui. Com esses três que me conhecem ha tantos anos, eu nao preciso me preocupar muito com a imagem (nao que essa seja uma questao que me aflija muito). Aqui eu posso deixar meus terriveis cabelos sem gel, minha cara sem pintura, posso colocar minhas meinhas de dormir mesmo se elas nao combinam com a camiseta de piu-piu. Ninguém ta nem ai. Sei que eles estao contentes que eu esteja aqui, que eu faça parte da vida deles...do jeito que eu sou. Ou melhor....do jeito que eu sou sabado...a noite...em casa.
Abro o meu livro do Stéphane Laporte (pois é..achei outro!). Eu dô muita risada com ele. O Rudi me traz uma cerveja (lindo esse hômi!). Ele me olha com aquela cara de quem sabe que eu estou me divertindo com 'outro homem'. Ta certo, sao apenas as palavras de outro homem, mas quand même. Ele ri também. Ele gosta de me ver feliz. Ele acaba gostando também do Stéphane.
19:20, a Giu e o Pedro começam a invadir o territorio. Ela com alguns bichinhos de pelucia, ele sem nada. Édipo se deita do meu lado e espia meu Stéphane. Ele também quer ler suas crônicas. Acho uma que talvez ele curta, se chama ' Avoir une soeur' (= ter uma irma). Ele lê. Ele ri. E em seguida ele presta atençao no filme da tv, no filme que o pai dele vê. É uma correria, um tiroteio...bom...Eu fico com meu Stéphane esperando o fim da baboseira pra colocar o dvd que alugamos.
O Rudi chega com as pipocas. Ele esta se tornando especialista na logistica de sabado a noite e faz tudo rapidinho durante os comerciais. A bagunça ta feita. Mesmo avisando mil vezes, pedindo e suplicando para todos terem cuidado e nao deixarem as pipocas cair em cima da cama, no fundo nos sabemos que vamos acabar dormindo com uns milhos no lençol. É sempre assim. E depois das pipocas, vêem as bolachas, os chocolates, as balas, os refris e sucos, mais umas cervejinhas. É a festa. Tocam o bordel na cama. É a festa.
Esse é nosso ritual de sabado a noite. Fazem muitos anos. Muitos anos. Ninguém nunca combina muito, as vezes estamos em outros lugares e pulamos uma semana...mas é raro. Sabado nos estamos aqui. Se alguém tem algum compromisso, tudo bem. Ritual anulado. Façamos outra coisa. Falta um. Nao é igual.
Tenho sorte. Sim, tenho dizer que tenho sorte. Tanta sorte, tanta sorte, que as vezes tenho também um certo problema pra aceitar toda essa felicidade. É como se nao fosse possivel, nao fosse pra mi, nao sei. Coisa de gente doida, obvio! Mas ai...de repente....eu olho para aquela cama e vejo que tudo, absolutamente TUDO,que existe de mais importante pra mim neste mundo se encontra ali. Ali naquela cama queen, falando e rindo na frente daquela televisao. E me da um medo, um medo, um medo da hora que isso vai acabar. Sei que é nostalgia antecipada, que o importante é viver o momento, que o segredo da felicidade é o desapego. Mas como posso nao me apegar a essa cena? Como eu posso nao querer que isso dure pra sempre? O ser humano é mesmo egoista.
Durante esses rituais ja vivemos muitas cenas hilarias. Quando o Pedro tinha um aninho e comia pipoca com a gente, as vezes ele se engasgava com as casquinhas de milho. A gente dava uns tapinhas de leve nas costinhas dele e tudo bem. Um certo dia ele começou a tossir e eu dei os tapinhas. Nada...parece que piorou. Paniquei, peguei ele no colo. O guri cada vez mais engasgado. O Rudi desesperou (e olha que é dificil isso...), pegou ele dos meus braços e sacudiu a criatura..nada. Neste momento de panico total, e sem tempo pra pensar, meu instinto maternal me fez enfiar a mao na boca da criança. Achei, puxei...uma tampinha de refri. O danadinho tinha colocado a tampinha na boca e estava engolindo. Nao preciso dizer que a Giulia nunca fez isso. Nao por que fosse mais calminha, menininha...muito pelo contrario. Mas pelo simples fato que ela ja tinha pais pré-traumatizados com tampinhas e na nossa casa, nunca mais as tampinhas ficaram rolarando por ai. Nossa sao tantas historias dos nossos sabados a noite.
Ontem teve outra. No meio do filme que estavamos vendo, meio que do nada, aparece um casal transando na lavanderia. Foi subito e nao deu tempo nem de mudar de canal. Tant pis. O Pedro soltou um 'Argh, que coisa...esses filmes...que nojo...'. Tentei aliviar a situaçao dizendo que sexo é uma coisa normal, que a gente faz quando a gente ama muito alguém e que, no final das contas, foi assim que ele foi feito. Ele nao se da por vencido ' Mas tu nao fez isso na lavanderia!'. Bom...melhor nao aprofundar muito a questao. Cantei um pouquinho aquela velha do Ultraje ' Nao tem nada demais, é sexo, é inspiraçao...' Rimos e passamos ao proximo assunto. Familia doida.
Dia desses a Giu se deitou do meu lado e me disse em segredo: ' Mae, quando tu for bem velhinha e eu vier te visitar com o meu chum, eu vou dizer pra ele esperar um pouquinho, vou vir no teu quarto, fechar a porta e deitar um pouquinho contigo. Ai a gente vai se contar a semana, tu vai fazer o carinho nos meus cabelos e depois eu vou ir la ver ele, ta?'. Eu nunca falei pra ela do quanto eu tenho medo que um dia nossos 'embalos de sabado a noite' acabem. Talvez ela tenha sentido. Talvez na cabecinha de criança dela, ela também saiba que a vida um dia vai mudar. Mas na cabecinha de criança dela, ela bolou uma soluçao que eu, na minha cabeçona de adulta, nunca tinha pensado. As soluçoes mais simples, sao as mais geniais, como diz o Rudi. O que ela me falou foi: mamae, isso nunca vai acabar. Pode mudar de forma, mas a gente vai sempre se lembrar. Isso vai sempre existir.
Tantos anos estudando psicologia. Tantos livros explicando por a+b que a cama é um lugar que a gente so deve usar pra dormir e pra transar. Que a cama dos pais deve ser um territorio restrito, privado, privé. Que cama nao é lugar de comer, ver tv, ler, etc. Ai, ai. Eu faço tudo o contrario. E quer saber? Nao tô nem ai. Uma coisa que aprendi muito cedo é que, pra educar os filhos a principal coisa é ama-los e saber seguir o teu coraçao. O resto...é o resto. Eu tento ouvir meu coraçao, e o que ele me diz é que ta tudo ok. Que todo mundo ta feliz assim. Que ta tudo bem. Alors... E ainda por cima eu vejo eles. Eles adoram isso. Nunca incomodam para fazermos durante a semana. Eles sabem que quando um de nos precisa se acordar cedo no outro dia, é atividade cancelada. Mas sabado é sabado. Depois vem domingo que é aquele dia meio...meio... meio...
Ontem depois do filme eu tinha fome. As pipoquinhas nao tinham dado conta. Eles também. Era uma hora da manha. Fomos todos pra cozinha fazer um macarrao. Macarrao da madrugada. Familia doida. Pegamos nossos bols de macarrao e voltamos pra cama. O Rudi ria e me olhava com aquele olho de mel que ilumina todas as minhas duvidas e todos os meus medos. Eu sei que ele nao trocaria nenhum lugar do mundo por esse aqui. Nem as Bahamas, nem o Tahiti, nem as Maldivas. Eu sei que ele nao venderia nossos sabadoes nem por um milhao de dolares. Eu sei que pra ele, nao importa onde estejamos, o tamanho da casa, do carro, da conta bancaria...nada disso tem impotancia pra ele se estivermos todos juntos e bem. Eu sei que ele nao se importa muito de ter uma mulher com os cabelos de cor e tamanho indefinidos, que usa uma camiseta véia de piu-piu e umas meias lilases em pleno sabado a noite, que acorda de madrugada por que teve uma idéia e precisa escrever e que, de noite, se abunda e nao quer buscar nada. É a mulher que ele escolheu e pronto. É a familia que ele ama, e pronto. Pas plus compliqué que ça. A felicidade é simples pro meu chum.
Eu sou sortuda. Sou sortuda de ter um lugar no mundo onde eu posso ser eu mesma sem medo de ser mandada embora. A reciproca também é verdadeira. Eu amo tanto cada um deles...exatamente do jeitinho que eles sao. Esses dias li um livro da Anna Gavalda ' Je voudrais que quelqu'un m'attend quelque part' (=eu gostaria que alguém me esperasse em algum lugar). Comprei o livro pelo titulo e pela autora. Amei. Eu sou sortuda.
Estou ouvindo os risos la em cima. Sao 9 horas de domingo e os boêmios estao todos acordados. Ouço o riso do Rudi e os barulhos de dinossauro que ele faz. As crianças enlouquecem. A Giu me chama por que ela fez meu tost e eu preciso comer enquanto ta quente. Vou la. Do fundo do croraçao eu desejo que todo mundo tenha um domingo tao bom quanto o meu!

6 Comments:

Blogger Sandra Vicente said...

uau... fiquei emocionada... que lindo... tb tenho esse medo que vc soube descrever tao bem porque acho que nao mereco e nao faco nada tao bem assim.

1:42 PM  
Anonymous Anonymous said...

LINDO!
De verdade, lindo...
Leio seu blog há tanto tempo e me identifico tanto... (e nunca havia escrito, acho)
Ano que vem estaremos em Ville de Québec, com nosso filhinho de 3 anos. E de lá continuarei acompanhando o seu blog :)
Um abraço e bons embalos de sábado!
Melissa

10:04 AM  
Anonymous Anonymous said...

uau, deixa primeiro eu secar as minhas lagrimas para nao estragar o teclado do computador ...
My,divido um pouco do teu sentimento , eu tb amo tanto, amo tanto meu menino e as delicias que vivemos juntos que também sinto angustia com a idéia de que um dia isso possa acabar. Também nao sigo muitas regras, nos primeiros dois anos do Martin seguia à risca o que diziam os livros e os educadores e confesso que nunca fui tao infeliz. Hoje, levo meu pequeno, aos cinco anos, pra escola, no colo, visto-o de manha e se bobear dou até comida na sua boca e muitos dos seus amigos, aos verem a forma como trato meu filho,parecem ter vontade de serem tratados igual, sem tantas regras, como eu faço, como tu faz, e assim vamos criando crianças felizes. Penso que pessoas como nos criam filhos menos frustrados, mais livres, mais amantes
Super beijo e continuemos quebrando regras que nos fazem mais felizes
leticia

1:03 PM  
Anonymous Anonymous said...

Bela crônica familiar, Mylène!
Acho q esse tipo de medo nos acomete a todos, e a felicidade está mesmo no que é simples, real e tão fundamental na nossa vida: a família!
O melhor é curtir muito, sempre, a todo momento!
Beijos!!!
Dilaine.

9:25 AM  
Blogger Flavielle Martins said...

Como a Sandrinha, fiquei emocionada. Estava comentando esses dias com o meu maridinho, o meu medo de quando as nossas filhotinhas crescerem e seguirem com as vidas delas. Nós, mães, sempre sofremos com antecedência, né? Vc tem uma princesinha muito especial e ela mostrou o quanto também é importante para ela esses momentos. Que Deus continue os abençoando.
Abraços!

6:56 AM  
Blogger Natália Russo said...

Que lindinho....

My, sou casada, psicóloga tb, mas ainda não temos filhotes....

Me vi nesse "sonho de sábados a noite"....

Uma graça vc contando... Mas algo mais importante que percebi foi que mesmo deixando a "minha família daqui", posso construir uma família aí e ser muuuuuuuito feliz... Isso é um baita conforto!

Bjssssss,

Natália - Recife - PE

1:46 AM  

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